Os alemães leem muito!

Desde que vim morar na Alemanha tenho notado que meu hábito de leitura aumentou muito. Sempre tive a leitura como algo presente em minha vida. O mundo dos livros era o meu bálsamo desde criança. Esse era e é o meu lugar!
Mas, por que resolvi falar sobre livros? Na verdade essa foi a forma que encontrei para analisar um comportamento muito extrovertido que a cultura brasileira tem. Por natureza sou extrovertida, no entanto, aqui pude descobrir um pouco de uma introversão forçada. Forçada porque ainda não falo a língua e também porque a cultura me é muito diferente. Fui para o meu mundo fazer um refúgio e nessas observações constantes, de algo completamente novo, fui me identificando com esse aspecto bem específico. Os alemães leem muito. Os alemães, desde muito cedo, carregam seus livros. 
Há alguns meses fizemos uma viagem à Roma e estávamos em um daqueles ônibus turísticos. No banco da frente uma mãe com dois filhos, provavelmente entre 8 e 10 anos. Enquanto olhávamos o movimento e conversávamos, cada uma das crianças estava imersa em seus livros esperando a próxima parada. Foi muito engraçado esse momento pois tentávamos adivinhar a nacionalidade deles. Abriram a boca, falaram muito baixo e lá estavam os alemães. Bingo!!! Acertamos. 
E o que tem a ver tudo isso com os meus pensamentos? Não é muito da nossa cultura a leitura mas quero trazer um ponto para reflexão. O que nos faz distanciar tanto do mundo da imaginação, do processo, daquilo que nos é entregue em um outro ritmo? O que nos faz consumidores vorazes de séries, futebol, novelas e pouco interessados em mergulhar num processo mais lento e que amplia a nossa capacidade empática, reflexiva e introspectiva? Os livros tendem a não mexer com a nossa ansiedade como, por exemplo, os seriados. Os livros nos presenteiam com um outro ritmo. Mas qual Camila? O nosso!!! Nos deparar com o nosso real ritmo é algo surpreendentemente revelador. Cada um tem um tempo de leitura, de entrega, de absorção, envolvimento e compreensão. Ele nos faz parar. 
Um dos livros que mais mexeu comigo esse ano foi Olhos d’àgua da Conceição Evaristo. Leiam!!! Um livro visceral, que me levou ao mundo das mulheres negras brasileiras. Talvez eu já soubesse de tudo aquilo, mas ficar com aquela história por dias me fez querer não esquecer das mulheres negras brasileiras. A literatura tem essa capacidade de nos marcar profundamente e precisamos questionar: porque temos medo desse recolhimento e desse processo introspectivo?
Muitos me dirão que não adquiriram esse hábito, mas aí me coloco a pensar. Qual hábito? Será que é o da leitura ou o de ficar em um outro tempo, em um outro ritmo, completamente entregue a algo que transforma? Será que uma visita à uma livraria não poderia ser o seu próximo ponto de parada em um shopping center? A literatura é um alimento que precisamos inserir na nossa dieta e,  como disse Virgínia Woolf: “Os livros são espelhos da alma.” 

Nada de nhe nhe nhe: sente aqui meu filho, e vamos conversar sobre feminicídio.

Quero começar o texto pedindo sinceras desculpas por tamanha ausência. Sei que muitas pessoas seguem meu blog e devem ter estranhado tanto tempo sem um texto. Nos últimos meses a vida pesou por aqui. Tenho tentado respeitar os meus limites mas nem sempre isso é possível, não é?  Resolvi escrever sobre um tema que não gostaria que fosse tão recorrente: o feminicídio. 
Quantas mulheres morreram nesse último mês no Brasil vítimas de homens filhos de uma cultura machista? Tenho um filho, olho para ele e penso: como estarão as mães desses homens brutais? Assassinos? Como seria olhar para um filho, que aparentemente era uma pessoa dentro do espectro de normalidade, e que da noite para o dia passou a ser um  assassino? Esses homens, filhos de uma cultura extremamente machista, se portam perante o mundo como maiores do que o próximo. Não consigo imaginar que homens assim se sintam somente superiores às mulheres: questiono a postura desses homens diante de qualquer outro ser que eles considerem inferior. 
Me dói imaginar relações tão abusivas e dependentes psiquicamente, baseadas numa vã esperança de que tudo melhore e de que no dia seguinte tudo fique bem. Só que não fica. Mulheres são mortas, espancadas, torturadas diariamente, e estamos sempre de mãos atadas. Mas ainda me intriga uma questão: como transformar essa situação? Leis mais severas aos assassinos não resolverão nada no que diz respeito à agressão contra a mulher. 
Queria propor um olhar de base. Como eu disse, eu tenho um filho. Olho para ele todos os dias e penso: o que será que ele pensa das mulheres, ou, no caso, das meninas? Vejo o brilho nos seus olhinhos quando fica a me admirar e ao mesmo tempo, levantar opiniões nessa fase infantil em que os meninos não gostam de meninas e as meninas não gostam de meninos. 
Pausa!!!
Ok!! Isso é uma fase. Mas o que ele me diz sobre não gostar de meninas? 
“Mamãe, eu não gosto de meninas porque elas brincam de coisas chatas”. Ok! 
“Mamãe, eu não gosto de meninas porque elas falam muito de príncipes”. Ok! 
“Mamãe, eu não gosto de meninas porque elas são fracas e cheias de nhe nhe nhe”. Não… isso não é ok! 
Vamos lá meu filho: o que são esses nhe nhe nhes? “Ahhh mamãe elas ficam cheias de bla bla bla”. Percebo imediatamente que ele não sabe explicar o que exatamente é irritante no comportamento das meninas. E logo questiono: e o que elas dizem de vocês, meninos? “Que não gostam da gente porque somos fortes”. É claro que não dizem isso!!! Fico até com vontade de rir. Porém, o assunto é sério: me vejo diante de uma super projeção que, se não for cuidada desde cedo, se tornará uma “verdade absoluta”.
Senta aqui meu filho: as meninas também são fortes, e talvez o que vocês meninos não gostem nelas é o fato de não terem permissão para entrar no mundo delas. O mesmo acontece com as meninas: talvez elas não gostem tanto dos meninos porque não conseguem entrar no mundo deles. Esses mundos estão dentro do que vocês são, mas não porque vocês são meninos ou meninas, mas sim porque vocês mostram o tempo todo uns aos outros as diferenças humanas. Todas as vezes que não for possível adentrar um mundo desconhecido ou não permitido, iremos nos irritar.
Ainda não tive nada dessa conversa com ele, porque ele, ainda muito pequeno, não conseguirá atingir a dimensão do que é ser diferente. Mas, com cuidado, fui dizendo: meu filho, se elas ficam cheias de bla bla bla, saiba que vocês também! Cada grupo tem o seu bla bla bla. Ele arregalou os olhos, e percebi que ali alguma coisa fez sentido.

Não quero que meu filho cresça crendo na ideia de bla bla bla, mi mi mi, chilique, nhe nhe nhe, como sendo “coisa de mulher”. Esses padrões de comportamento são puramente humanos, e enquanto alguns adultos maduros aprendem a lidar com suas birras, outros, infelizmente, matam.